A princípio, pode-se pensar que as artes plásticas e a música não têm relação direta, mas aqui trouxemos a ligação entre música e as artes plásticas. Pensamos o quanto interessante seria mostrar um pouco do viés das artes visuais brasileiras ao nosso público. Para isso, selecionamos alguns artistas que, de certa maneira, se associaram à música. Estes artistas foram selecionados por trazer suas visões sobre o ambiente musical brasileiro de suas épocas. Independente de ser realista, quanto às situações retratadas, a escolha de determinados temas em detrimento de outros, mostra o que existia e como era a música no campo e na cidade em seu tempo e localização geográfica. Dessa forma, foi feita uma seleção de 6 pintores brasileiros que, inicialmente, retrataram instrumentos musicais em suas obras. Elementos como o contexto urbano ou rural e momentos importantes, como cerimônias e a boemia, foram mostrados. Esse tema foi uma série de 6 episódios que foi ao ar no nosso canal do Youtube em 2021. Em conjunto, foram liberadas também uma série de postagens no Instagram com uma breve biografia de todos os pintores contendo as obras dos artistas aqui apresentados. Por isso, nesse texto, aprofundaremos as discussões dispostas na nova série de vídeos que passará a ter 3 episódios que serão disponíveis no nosso canal. Pedimos aos nossos leitores e leitoras que se imaginem numa exposição de arte com obras desses artistas plásticos. Pedimos que entrem atentos como nós e visitem as obras que serão disponibilizadas. Esse post é um olhar musical sobre as artes visuais presentes na nossa cultura porque arte visual também é memória. Almeida JuniorAlmeida Júnior é um conhecido pintor brasileiro da segunda metade do século XIX nascido em Itu, São Paulo. Estudou na Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro e na Escola Nacional Superior de Belas-Artes em Paris. Em suas obras, são vistos temas que retratam o cotidiano do homem rural e a vida comum, quebrando paradigmas ao rejeitar o estilo acadêmico da época. As obrasAlmeida Júnior ficou conhecido por retratar cenas do cotidiano no campo e das pessoas comuns. Dos 3 quadros selecionados, apenas um deles é originalmente da fase dos retratos do cotidiano campestre. As outras duas obras mostram uma vivência metropolitana e burguesa. Retrata momentos comuns do âmbito familiar e os bastidores de um ateliê de pintura. A primeira pintura, de 1890, O Violeiro, foi a que trouxe fama a Almeida Júnior. Apesar disso, essa tendência só se consolida no final da sua vida. Quando examinamos atentamente essa tela, notamos que, nas mãos do homem da cena, há um instrumento musical que dá nome ao ofício do personagem dessa obra, a viola caipira. Um pintor como Almeida Júnior, que nasceu no interior de São Paulo, nos mostra que a viola era comum no ambiente do campo no final do século XIX. Uma vez que temos uma pintura realista, é possível que Almeida Junior tenha se dedicado à pintar acontecimentos presentes em seu entorno. Como coadjuvante temos uma mulher ao lado do violeiro. A ela resta o papel da contemplação. O pano em sua mão sugere que os trabalhos domésticos são por ela realizados. O outro quadro selecionado é o chamado Cena de Família de Alberto Augusto Pinto, de 1876. Temos na cena retratada uma família burguesa de classe média em que encontramos instrumentos vistos como artigos decorativos. Nenhuma das pessoas presentes neste quadro está tocando um instrumento. Há um piano no fundo e ao seu lado, um violoncelo que também aparece como parte decorativa. Podemos observar que, tanto o piano quanto o violoncelo, são retratados numa cena cotidiana burguesa e não numa cena campestre. Isto nos diz muito mais sobre o contexto e sobre a visão que se teria naquele período. No século XIX, um pintor ao retratar um violoncelo e um piano em seus contextos comuns, demonstra que estes são instrumentos extremamente ligados a cultura europeia burguesa. Podemos enxergar, ao mesmo tempo, em primeiro plano, o pai da família, o patriarca, o provedor e os instrumentos como artigos decorativos de luxo, vistos em segundo plano. Além de cinco crianças, em plano médio, temos uma mulher ao fundo. Essa mulher está no canto esquerdo, colocada numa espécie de terceiro plano. Com um pano na mão, a mulher parece prender a atenção de uma das crianças ao seu lado, uma menina. Inclusive, parece que a menina aprende algo com a mulher. É possível identificar também que, as demais crianças da cena são meninos, que aparecem em segundo plano em oposição ao patriarca que está em destaque. A próxima pintura, de 1872, é intitulada O descanso da modelo. Temos um pintor olhando para o lado onde se encontra sua modelo. Essa moça, parece em pausa das poses para a pintura. É interessante o fato de Almeida Junior retratar uma espécie de bastidor de um atelier. Parece até que ele pretendia mostrar o outro lado do ofício de artista plástico, o homem por trás da cena. Chama a atenção, no centro da cena, que a mulher está despida de costas, sentada, com as mãos apoiadas no piano. No entanto, apesar da moça quase nua, temos um pintor que compartilha o ângulo. O piano, nessa cena, também está ali, como na pintura anterior, no papel de um acessório. Em todas as vezes em que um piano apareceu nas obras de Almeida Júnior, pelo menos nas selecionadas, ninguém o está tocando. Isto é, mais uma vez, um reforço de que um instrumento como piano era tratado como artigo de luxo. Além do piano, encontramos um alaúde que quase passa desapercebido na cena. A modelo e toda a composição ofusca qualquer outro detalhe. É preciso que se olhe atentamente para enxergar este instrumento posicionado discretamente ao fundo. Anita MalfattiNascida na cidade de São Paulo, Anita Malfatti estudou artes e pintura em Berlim, Alemanha. Também estudou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, na “Arts Students League of New York” e na “Independent School of Art”, em Nova York. Uma exposição sua, que a lançou oficialmente entre os artistas plásticos brasileiros, foi o marco para o movimento modernista. As obrasAs pinturas de Anita Malfatti demonstram sua atenção sobre as comemorações e situações que circundavam a vida no campo. Declaradamente modernista, retratou momentos festivos e do cotidiano. Em suas pinturas são encontradas muitas cenas de dança: tanto grupos de pessoas dançando quanto instrumentistas dedicados à execução da música. Na tela Casamento caipira, de 1940, temos claramente um casal de noivos ao centro e um trio de instrumentos à direita. Nessa formação instrumental, encontramos a viola caipira ou violão, sanfona e triângulo. Um claro conjunto típico da música caipira do interior de São Paulo é considerado, de certa maneira, pertencente ao universo do campo, como a sanfona e o violão ou a viola caipira. Em outra pintura, intitulada Dança rural, de 1942, nós temos uma moça dançando no centro e dois instrumentistas a sua volta. Do lado direito um flautista e do lado esquerdo um violonista. Na obra Festa caipira, de 1940, encontramos um violeiro em primeiro plano na cena. Ao redor da fogueira, o violeiro é visto ao lado de uma mulher que não dança, apenas contemplam o fogo. Mais ao fundo, algumas crianças e um homem estão ao redor da soltura de um balão. Nas pinturas de Anita Malfatti é comum encontrar um violeiro. Ocasionalmente, encontramos outros instrumentos. A temática por ela escolhida vai além de retratos da burguesia. Ela tinha olhares para o povo do interior. O que acontecia no campo, para ela, merecia muito mais ser retratado do que os elementos da metrópole. Como modernista, ela é um dos seus maiores expoentes. Cândido PortinariNascido na cidade de Brodowski em São Paulo, Portinari estudou na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, mas morou em Paris e outras cidades na Europa. Ao retornar de sua estadia no velho mundo, muda sua estética. Em seus trabalhos surgem mais cores, além do abandono dos conceitos de volume e tridimensionalidade. Portinari era também um adepto do movimento modernista. As obrasNotoriamente, Portinari foi ricamente influenciado por suas experiências da Europa. Dessa forma, mostraremos quadros de sua fase antes da viagem à Europa e obras que remontam seu retorno ao Brasil. Visivelmente são duas fazes distintas. Portanto, as obras de 1924 são de antes da Europa. Já as de 1925 em diante são as de seu retorno, o que demonstra algumas tendências recém adquiridas em sua estética. Mostraremos as obras de Portinari de acordo com a temática apresenta: Retrato do campo e Retrato da Boemia. Retrato do campoPor sua temática, a obra Baile na roça, de 1924, se aproxima dos quadros de Almeida Júnior. Aqui, Portinari também retrata a figura de camponeses postos em um baile que é acompanho pelo som de uma sanfona, um instrumento tipicamente usado no contexto campestre. Vale destacar que, mais uma vez, como nos quadros dos pintores já mencionados, podemos enxergar um homem como instrumentista. Às mulheres, nesse contexto, há somente a incumbência da dança acompanhada. O instrumentista aparece em segundo plano. Pensando na provável região da cena, relacionado ao local de nascimento de Portinari com as roupas e dos costumes, nós estamos falando de uma sanfona de oito baixos. Esta parece ser uma sanfona de tipo menor, usada para tocar a música típica da região sudeste. Retrato da boemiaApesar deste quadro de uma cena campestre, Portinari é um pintor que possui muito mais obras que mostram instrumentistas da vida boêmia do Rio de Janeiro. Enquanto um artista que tinha conexão direta com o movimento modernista, Portinari retratou momentos ligados à noite carioca. Um demonstrativo é que colocou em suas pinturas títulos de estilos musicais ou até mesmo funções de músicos em seu ambiente. Em uma pintura de 1925, vemos o nome Serenata. Na cena destacada, temos três homens boêmios com as vestimentas do período: chapéu panamá, ternos bem cortados de cor clara e sapatos bicolor. Entre os instrumentistas um clarinetista, um flautista e um violonista. No caso dessas pinturas é possível afirmar que, devido ao tipo de formação instrumental, temos o que seria um violão e não uma viola caipira porque claramente Portinari se via num contexto urbano. Em Chorinho, de 1925, Portinari traz um título que é um estilo musical. Entre os instrumentos encontramos um clarinete, um trompete, um pandeiro e um violão. Vale destacar que o violão é um instrumento típico do choro. Numa de suas mais famosas pinturas temos um homem negro sozinho tocando. Nessa obra, de 1924, também encontramos em seu título nome dado à uma pessoa que toca flauta: O flautista. Nesse quadro encontramos no centro somente um personagem no ângulo central destacando a flauta em suas mãos. Ao fundo encontramos uma mulher que de longe observa. Portinari, na minha opinião, é um dos pintores que mais retratou o seu envolvimento com o universo musical. Nesse ponto, em sua ilustração Frevo, um mural para a Revista O Cruzeiro, Portinari retrata dançarinos de frevo e um instrumentista de sopro. Esse instrumento possui uma construção ambígua. No entanto, quando se trata de instrumentos típicos, o instrumento retratado pode ser alusão a um trompete. Nas pinturas de Portinari com títulos relacionados ao universo musical não foi dado espaço às mulheres. Somente homens são vistos na posição de instrumentistas. Di CavalcantiNascido na cidade do Rio de Janeiro, Di Cavalcanti estudou artes na infância com o pintor Gaspar Puga Garcia. Apesar de ter se consagrado como artista plástico, Di Cavalcanti, estudou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Não exerceu a profissão, pois se consolidou como ilustrador e artista plástico. Foi um dos idealizadores e representantes da Semana de Arte Moderna. Obras destruídasEm acontecimentos recentes Di Cavalcanti teve algumas de suas obras disponíveis no Palácio do Planalto depredadas durante os atos antidemocráticos. Coordenados pela extrema direita no dia 08/09/2023, o Palácio da Planalto foi invadido e destruído demonstrando total falta de respeito à história, a arte e à cultura brasileira. Uma verdadeira crise, estes ataques de ignorância foram organizados por um contingente de políticos, empresários e pessoas reacionárias que e dedicaram a destruir um dos símbolos do patrimônio artístico e cultural nacional. Lamentável. As obrasDi Cavalcanti, não só retratou instrumentos musicais, como ele dá às suas obras o nome de estilos musicais ou de funções destinadas à instrumentistas. Por exemplo, em sua pintura Músicos, de 1954, temos o que pode ser um saxofone e um clarinete ou uma flauta, talvez. Na tela Samba, de 1928, nós temos um violonista sendo admirado por duas mulheres. Em mural, disponível no Teatro João Caetano, mais ou menos dos anos 1930, encontramos o retrato de uma festa em que aparece uma mulher dançando, um pandeirista e um violonista. De forma geral, no caso de Di Cavalcante, é possível ver cenas de ambientes metropolitanos, da música urbana e, das festas feitas nas cidades. Como contrapartida às pinturas mostradas, opção ausente na primeira edição dos vídeos, trouxemos uma obra adicional. Para tratar de mulheres no ambiente musical, trouxemos a obra Moças com violões, de 1937. Di Cavalcanti traz uma versão em que os instrumentos estão nas mãos das mulheres. Visto enquanto um contraponto aos outros quadros aqui mencionados, trago a visão deste pintor sobre as mulheres que tocam. Juarez MachadoJuarez Machado é um pintor, escultor, desenhista, caricaturista, ilustrador e cartunista, nascido em Joinville, Santa Catarina. Começou a desenhar na infância, mas somente aos 20 anos foi estudar na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Foi chargista dos principais jornais do país retratando irreverência e bom humor. Suas criações são reconhecidas pelo leve surrealismo e pelas críticas sociais. As obrasConhecido por suas obras de caráter cômico, Juarez Machado expressa um ar bem humorado. Com uma estética em formato de caricatura, traz instrumentos musicais e os coloca diretamente ligados à dança. Caracteristicamente bem coloridas e sombrias, suas pinturas remontam as noites e a vida boêmia. Quando se pensa sobre os contextos dessas pinturas, encontramos um artista que retrata o movimento urbano. Na maior parte das vezes, se entrega ao cenário do tango e da dança de salão. Em geral, os instrumentos que aparecem estão nas mãos de instrumentistas. Curiosamente, a posição dos instrumentistas aparecem em plano de fundo com uma estética mais sombria e escura ou no centro da cena multicolorida. Por essa razão, é possível deduzir que a música é a coadjuvante. Os instrumentos musicais são uma espécie de componente para a trilha sonora praquela cena. Já em outras pinturas, o instrumentista e o instrumento estão em primeiro plano. Quando pensamos na variedade de instrumentos, vemos grande recorrência de instrumentos da família da sanfona: acordeom e o bandoneon, dois instrumentos associados ao tango. Encontramos saxofone, piano e a combinação do saxofone com o piano. Pudemos ver o piano ilustrado com todos os detalhes ou com uma discreta nuance que leva a entender que é um piano. Apesar de todos esses instrumentos, podemos concluir que a dança, é que acaba sendo a personagem principal. Por outro lado, também podemos encontrar o bambolim, o contrabaixo, a flauta e o violoncelo. De modo geral, na maioria das pinturas, é predominante a presença de instrumentistas do sexo masculino. As mulheres, retratadas por Juarez Machado, são quase sempre, mostradas como parceiras de dança. No caso do quadro Tango, a mulher divide o centro da cena com seu parceiro. Na pintura O canto do violoncelo, encontramos uma mulher no centro da cena. Temos a ideia de uma instrumentista, só que sua posição faz uma conexão entre a sensualidade e o instrumento. Nesse caso, apesar do violoncelo ocupar o primeiro plano, a mulher é parte importante na sugerida na performance. Como se o violoncelo fizesse o papel do poste das strippers fazendo alusão a sensualidade embutida. Damião MartinsNascido em Sapucaia no Rio de Janeiro, iniciou seus estudos em um curso técnico de desenho direcionado às artes plásticas. Autor de um estilo inspirado no movimento cubista, seus primeiros desenhos são de 1978. Seu estilo se mantêm de forma linear dentro de temas que vão desde as relações humanas passando por personagens fictícios inspirados na cultura francesa. Também encontramos vários retratos que mostram a vida no campo e os trabalhos braçais. As obrasAs pinturas de Damião Martins possuem uma estética purista bastante abstrata. Ao mesmo tempo, mostra diversos tipos de instrumentos musicais em contextos variados. Mistura situações não só urbanas, como mitológicas. São encontrados anjos, personagens como a Arlequina, a Colombina ou o Pierrot. Nas pinturas que trazem situações do cotidiano temos pessoas em momentos de lazer, como se o instrumento tivesse aliado à diversão, o entretenimento e à cultura. Temos uma grande quantidade de instrumentos retratados por Damião Martins. Existem cenas de dois, três ou mais instrumentos com formações diversas. Ao mesmo tempo, vários instrumentos têm uma ambiguidade, porque são retratados de maneira abstrata. Quando falamos de mulheres retratadas como instrumentistas, encontramos muitas possibilidades: três ou, às vezes, uma ou duas tocando. Apesar disso, quando contabilizamos a equidade de representação, ainda temos a maioria de homens como instrumentistas. Um resumoA variedade de instrumentistas tratados aqui demonstra que a maioria deles já não está mais na ativa, mas suas obras seguem eternizadas. Juarez Machado e Damião Martins ainda estão entre nós, enquanto Almeida Júnior era ativo na segunda metade do século XIX. Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Portinari, foram ativos na primeira metade do século XX. Suas pinturas retratam momentos do cotidiano campestre ou urbano, como as de Anita Malfatti. Mostram a boemia como no caso de Portinari e Di Cavalcanti. No fundo, os trabalhos desses pintores são um pedaço da forma a qual eles enxergavam o seu tempo. ReferênciasAlmeida Junior. https://www.ebiografia.com/almeida_junior/
Anita Malfatti. https://www.todamateria.com.br/anita-malfatti/ Cândido Portinari. https://www.todamateria.com.br/candido-portinari/ Di Cavalcanti. https://www.todamateria.com.br/di-cavalcanti/ Juarez Machado. https://www.guiadasartes.com.br/juarez-machado/obras-e-biografia Damião Martins. http://damiaomartinspintor.blogspot.com/p/dados-do-artista Valor de artes destruídas é incalculável. https://www.poder360.com.br/governo/valor-de-artes-destruidas-e-incalculavel-diz-especialista/ Bolsonaristas destroem obras de Di Cavalcanti em invasão ao Planalto. https://www.metropoles.com/brasil/bolsonaristas-destroem-obra-de-di-cavalcanti-em-invasao-ao-planalto
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